quinta-feira, setembro 29, 2016

NAÇÕES UNIDAS: A BATOTA É PARA CONTINUAR



O rosto da batota internacional




A apresentação pela Bulgária de uma nova candidata ao cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas traz à memória um dos mais famosos aforismos de Victor Tchernomirdin, antigo-primeiro ministro russo: “Queremos fazer da melhor forma, mas o resultado é sempre o mesmo”.

Tinham-nos prometido que, desta vez, a eleição do Secretário-Geral da ONU seria aberta e transparente, com debates e provas orais dos candidatos, mas, pelos vistos, isso não passou de mais uma promessa falsa. Embora o nome da nova candidata seja Kristalina, a sua eleição, a acontecer, será mais uma nódoa negra numa organização que já não goza de muito boa fama.

As autoridades búlgaras consideraram por bem substituir Irina Bokova por Kristalina Gueorguieva a meio da corrida. É como se uma selecção pudesse mudar uma atleta que está a fazer mau desempenho a meio de uma corrida de maratona por uma melhor preparada. “Devemos agradecer à nossa candidata (Bokova), mas é necessário uma abordagem e tomada de posição responsáveis, garantir o apoio do governo búlgaro a Kristalina Gueorguieva”, declarou Daniel Mitov, chefe da diplomacia búlgara.

É de salientar que nem na Bulgária essa decisão foi consensual e fortemente criticada pelas forças da oposição. O Partido Socialista Búlgaro considerou-a “uma traição dos interesses da Bulgária e uma submissão a interesses alheios”. A “Alternativa do Renascimento Búlgaro” manifestou desilusão: “Outra candidata não terá possibilidades, o que foi já sublinhado por vários peritos; neste caso, parece que estamos a prestar um serviço a uma terceira candidatura que quer afastar uma forte oponente [Bokova] da corrida”.

Se assim for, o objectivo poderá ser eleger, enquanto figura de compromisso, Miroslav Lajcvak, actual primeiro-ministro da Eslováquia, e um dos mais votados durante as provas já realizadas.

Mas a ser verdade que a ideia da candidatura de Kristalina Gueorguieva tem o apoio de Angela Merkel e de alguns dirigentes da União Europeia e que a chanceler alemã tentou recorrer aos serviços de Vladimir Putin para que a Rússia, membro do Conselho de Segurança da ONU e, por conseguinte, com direito a veto, na segunda búlgara, seria bom que, nas próximas provas, se colocasse a Gueorguieva a seguinte pergunta: “Qual a sua posição face à anexação da Crimeia pela Rússia”. Bokova, quando confrontada com a mesma pergunta, não respondeu. Entre 2004 e 2007, Gueorguieva foi dirigiu o Departamento do Banco Mundial para a Rússia.

Ou talvez não seja necessário fazer isso, porque, segundo as minhas fontes, Moscovo tem-se recusado até agora a apoiar Gueorguieva.

Merkel, ao lançar esta candidatura, pois a Bulgária não é mais de que uma correia de transmissão, imaginou que a Alemanha tem o mesmo poder no mundo que possui na Europa e, uma vez mais, poderá enganar-se amargamente. Até se “esqueceu” que o seu país não faz parte do quinteto com direito a veto no CS da ONU.

Independentemente de António Guterres ser português, o facto é que as manobras que estão a ser feitas para impedir a sua eleição mostram cada vez mais claramente que a União Europeia se assemelha à linha do horizonte: afasta-se quando nos tentamos aproximar dela.  Continua a não ter qualquer sentido falar de política externa comum. As intrigas e os interesses mesquinhos prevalecem.

Gostaria de ver António Guterres no cargo de Secretário-Geral da ONU, mas estou muito pessimista, tendo em conta o peso pequeno que a nossa diplomacia tem neste processo em comparação com potências de “outro campeonato”.

Porém, pode-se desde já dizer que o processo de eleição do próximo Secretário-Geral da ONU já foi manchado pelas intrigas e guerras de bastidores, o que não promete nada de bom à maior organização internacional que cada vez tem menos prestígio e crédito. Talvez fosse melhor reconhecer que há muito se trata da Organização das Nações Desunidas. No lugar de concentrar forças na sua reforma profunda, a ONU para seguir o mesmo destino da Sociedade das Nações.

Sem comentários: